domingo, 27 de julho de 2014

Capítulo 3 - O que eu me lembro claramente

A lembrança mais clara que eu tenho de mim sou eu me acordando no meio da noite assustado com o escuro. Assim como toda criança, eu chamo pela minha mãe. Antes disso, todas as lembranças são vagas, parecem mais sonhos. Aquele foi como meu primeiro instante de vida. Minha vida começou ali.
Acho que eu tinha mais ou menos uns 3 anos. Eu me lembro de alguns de meus vizinhos. Tinha o Seu Gilberto, gente boa e trabalhadora, tinha a Dona Dalva sua filha Roberta. A Roberta era mais ou menos da idade de minha irmã. Tinha outra menina que eu não me lembro o nome nem de quem era filha, só sei que ela também brincava com minha irmã.
Eu brigava muito com meus irmãos. A gente saía no tapa. Eu ficava descontrolado. O que me deixava descontrolado era ver que eu era menor que eles e não conseguia bater neles a ponto deles chorarem. Eu acho que eu brigava mais com Saulo. As vezes eu ficava nervoso por pouca coisa. Só não me lembro dos motivos das nossas brigas. Eu mostrava ser a criança mais tranquila e dócil até o momento que eu saia do sério. Eu me transformava.
Enfim é difícil encontrar irmãos que nunca brigaram. Apesar disso, assim como em qualquer família, nos dávamos bem.
Eu me lembro que um dia minha irmã inventou de me vestir de menina.   Minha irmã diz que se eu tivesse nascido menina, seria uma menina muito bonita, pois ela diz que eu fiquei parecido com uma menina. Eu não gostei.
Como meus irmãos estavam na escola, eu os vida muito falando em voz alta o alfabeto todo. Eu tentava imitá-los, nem sabia o que eu tava falando. Até que um Dia consegui falar o alfabeto todo sem errar. Saulo me viu falando o alfabeto e ficou impressionado por eu ter aprendido. Na mesma hora ele chamou nossa mãe pra me ver falando o alfabeto. Quando ela chegou eu não conseguia mais falar o alfabeto. 
Eu continuava tendo crises de bronquite. Isso afetava até meu apetite. Meus pais faziam de tudo pra ver se eu comia. Era preciso eles dar a comida na minha boca, senão eu não comia. E sempre tinha que ter banana comida. Pelo menos assim a comida me parecia mais gostosa. 
Eu já sou centrado e mais na minha por natureza. Já a minha falta de saúde potencializou isso. Às vezes eu ficava impossibilitado de brincar como qualquer outra criança. Acabei descobrindo outra brincadeira que não se precisava de muita energia, desenhar. Assim como no caso do alfabeto, comecei imitando meus irmãos. Eu via eles fazendo os desenhos pra escola, e eu queria fazer também. Então comecei a desenhar. Minha mãe sempre elogiava meus desenhos. Serviu muito de incentivo, pois não parei mais.
Meus desenhos eram como de qualquer outra criança da minha idade, não tinha nada de genial. Apenas passou a ser meu passa tempo e minha diversão.
O tempo foi passando e eu ainda não tinha largado minha chupeta. Já tava mais que na hora d'eu parar de chupar chupeta. Eu me lembro que já fui até roubado. Uma menina tomou minha chupeta e ainda me deu língua.
Nesse tempo a casa que a gente morava não era só nossa. Meu pai comprou junto com meu tio. Era metade de meu pai e metade de meu tio. Então surgiu uma oportunidade de termos uma casa só da gente. O governo realizou um programa de habitação, que dava casas para famílias de baixa renda. E minha família foi contemplada. Não foi exatamente como na teoria, pois só ganhamos o lote sem nada construído. Mas já é alguma coisa. De vez em quando meu pai estava indo pro lote pra construir nossa nova casa. Cheguei até ir pra ajudar ele. Eu não tinha nem tamanho, mas queria ajudar.
Certo dia meu pai não pôde me levar. E como toda criança era difícil me convencer a ficar. Se me deixasse eu ia chorar. Meu pai falou que lá não ia ter o que eu comer e era bom eu comer algo antes de ir. Ele mandou eu ir na cozinha comer uma banana, pois assim eu não ia ficar com fome. Eu fui lá peguei a banana, comi, voltei pra sala, e não tinha mais nenhum sinal do meu pai. Conclusão: fui enganado. Meu pai foi sem mim.
Nossa casa ainda não tinha sido terminada, mas tivemos que nos mudar mesmo assim. Senão perderíamos o direito sobre o lote. Nossa nova casa era um barraco composto por 3 cômodos: 1 sala misturada com cozinha, um quarto e um banheiro.
Assim como nós várias outras famílias tiveram que se mudar para suas casas ainda inacabadas. Era barraco pra todo lado. Tinha barraco até de madeira. Não tínhamos nem água encanada. A salvação era um chafariz próximo a nossa casa. Um dia, quando íamos buscar água no chafariz alguém derramou por acidente a água em cima de mim. Eu fiz o que qualquer criança faria, chorei.
E eu ainda continuava chupando chupeta. Até que meus pais decidiram dar um basta nisso. Eu não encontrei mais minha chupeta. E meus pais ficaram deixando pra comprar outra chupeta depois. Ai foi indo até que não me lembrei mais. 
Agora morávamos mais distantes de meus tios. Pra visitá-los, era preciso pegar ônibus. E eu tinha um medo estranho, medo de ônibus. Se minha mãe não me segurasse no braço ou eu não estivesse acomodado num banco eu ficava chorando e gritando: "Eu vou cair!" Não era pra me por no chão senão eu começava o escândalo. Eu gostava de brincar com meus primos. Eu sempre me divertia quando ia pra lá. Nós também aproveitávamos pra visitar nossos antigos vizinhos.
Eu também gostava quando meu pai ia pro bar com meu tio e levava a gente. Eu gostava porque ganhava balinha, pipoca, tudo que uma criança gosta.
Eu não mencionei, esse meu tio também era meu padrinho. Como éramos católicos, eu tinha padrinhos. Geralmente as os pais escolhem alguém que eles mais consideram pra ser os padrinhos de seus filhos. Mas no meu caso, acho que meus pais não fizeram uma boa escolha. Meus padrinhos não me davam muita atenção. Eu preferia que a Veva fosse minha madrinha.

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