Eu sou eu. Como é difícil definir a si mesmo. Eu nunca paro
pra pensar quem sou eu. Mas eu sou esse homem confuso e sem um rumo certo.
Confuso porque durante muito tempo vivi e ainda vivo na obscuridão
da depressão. Guardei rancor de pessoas que me ofenderam, colecionei mágoas que
se conservaram em minha memória. Pois é, eu tenho boa memória. Sempre tive boa
memória. O segredo pra eu ter tanta facilidade de aprender qualquer atividade é
a minha memória. As vezes pareço ser genial, mas muitas de minhas atitudes que
demonstram inteligência e esperteza nada mais é do que uma lembrança que eu
tenho. Eu vejo como alguém faz tal coisa e copio e assim parece que sou eu quem
teve aquela ideia. Esse é lado bom de se ter boa memória, eu não esqueço nada.
E esse também é lado ruim de se ter boa memória, eu não esqueço nada. Essa é a
razão d'eu guardar tanta mágoa. Eu me lembro claramente as coisas ruins que me
aconteceram e parece que acabei de vivenciar. Isso alimentou minha depressão.
Fiquei preso ao passado.
Eu estou me libertando desse prisão, desse amontoado de lembranças
que ofuscaram meus olhos para a vida, para a realidade em si. Eu vivi tanto
tempo nesse mesmo ponto que eu sou como uma criança. Qualquer coisa pra mim é
novidade. Eu ainda tenho o mundo inteiro pra conhecer iniciando da cidade onde
moro. Porque até o bairro onde eu moro pode parecer novidade pra mim. Eu tenho
a mesma ansiedade que uma criança pra conhecer as coisas, o mesmo desejo viver,
aquele entusiasmo. Mas tudo isso refreado pela timidez que carrego.
Eu tenho medo das pessoas. Depois de tanto ser rejeitado, de
tanto ser excluído, mal interpretado, eu não sei mais me aproximar das pessoas.
Antes eu tinha ideias de coisas legais pra fazer, mas sempre arranjavam alguma
desculpa pra recusar meus convites. Na minha turma nunca queriam ouvir minha
ideia quando queriam decidir algo. Sempre ficava pra próxima "depois a
gente faz o que você falou". E por várias vezes me deixaram de fora de
alguma festa que eu ia curtir participar. Depois eu via as fotos e percebia que
minha presença não era importante. Em outros casos eu fui muito zuado. Tão
zuado que desanimava ter a companhia dessas pessoas. E quando elas me chamavam
pra fazer algo recusava sabendo que se eu fosse, seria mais uma oportunidade
pra ser ridicularizado.
Eu também conheci pessoas legais. Gostei muito de
conhecê-las. Mas eu não soube lidar com isso. Eu fiquei muito em cima delas, eu
as sufoquei até um ponto que elas não me suportaram mais.
Antes dessas coisas eu já era tímido. Agora sou bem mais. A
realidade é que eu não estava preparado pra esse mundo. Eu tinha um pensamento muito
fora da realidade. Eu imaginava que o mundo era as mil maravilhas, que iria
encontrar mais pessoas que me apoiassem do que gente que me desprezando e me
humilhando. Eu esperava um mundo onde quer que eu chegasse e fosse simpático e
educado, isso seria retribuído. Eu esperava que se eu não fizesse mal a ninguém
todos seriam sempre gentis comigo. Eu não tinha noção de nada mesmo. Eu pensava
que era exatamente desse jeito que descrevi não só pra mim, mas pra qualquer
pessoa. Então tive esse choque de realidade. E a decepção foi muito grande. Por
eu ter esse pensamento assim, achei que o mundo tinha se voltado contra mim.
Hoje tenho consciência que essas coisas acontecem com todos.
Agora sei que vivemos num mundo competitivo, que as pessoas vão passar por cima
da gente não por um motivo pessoal ou especial, mas porque querem vencer a todo
custo, é cada um por si. Não é só comigo, as pessoas ficam enganando umas as
outras, é um querendo ser mais esperto que o outro. Agora tomei ciência de tudo
isso.
Mas quanto a parte social, o detalhe da timidez, ainda estou
com essa dificuldade. O bloqueio ficou e não sei mais me aproximar nem das
pessoas que eu já conheço. O pensamento de que todos tem uma má impressão de
mim, não sai. Eu só tenho impressão de que eu já cometi muita mancada e não sou
mais bem vindo. Em outros casos acho que as pessoas tem medo de mim, sinto que
muita gente tem preconceito com minha aparência. Sem contar o pavor do
constrangimento e da humilhação pública que me aterroriza. Eu faço de tudo pra
não aparecer e não deixar saberem muito sobre mim, com medo de dar margem a ser
ridicularizado.
Sem contar que uma realidade ainda me assusta muito. Boa
parte do que já citei eu tenho consciência que pode ser coisa só da minha
mente. Mas isso é difícil eu me convencer que não é real. Isso que eu falo é o
fato de que em qualquer lugar que eu chegar vou me entrosar com praticamente
ninguém. Eu não sei desenvolver uma conversa, eu não sei transmitir carisma.
Isso repele as pessoas. Por ser assim, vejo que não posso contar com ninguém.
Claro que tem suas exceções. Eu tenho meus pais, tenho minha namorada que
também me apoio, e alguns amigos. Mesmo assim eu me assusto porque é importante
a gente saber se relacionar com as pessoas mesmo que a gente não tenha
proximidade com elas, mesmo que não mantenha um laço de amizade. Atualmente,
isso é questão de sobrevivência. A gente precisa pelo menos conhecer as pessoas
mesmo que de forma superficial. Eu me assusto por saber que as pessoas que
mencionem não são eternas, coisas acontecem, um dia posso me ver sem elas.
Mas pra não ficar tão assustado, tenho trabalhado isso. A
ideia sou eu aceitar a realidade e encarar de cabeça erguida. Mesmo que eu
fique sozinho no mundo, saber me virar. E aprender a ignorar o fato d'eu ser
ignorado por quase 100% das pessoas que passam pela minha vida. Ser inabalável
com esses fatos. E o principal, pôr Deus em meus caminhos.